Ao fundo do quintal. Foi ali, na arrecadação que as arrumaram, as caixas. Uma coisa temporária, até se poder fazer uma mudança como é devido. Mas tinham ficado. Foram ficando. Quatro anos.
Eram principalmente livros, que no urbano apartamento da irmã da professora não havia lugar para eles. Já para a doença, o miúdo e outros fardos sabe Deus, quanto mais para livros. E por isso tinham levado só as malas, roupas e pouco mais.
Quase todos os caixotes dizem “livros”. Mas há um que diz “cozinha”, outro “brinquedos”. Assim se resumem vidas deixadas para trás.
Há ainda outro, o que ele procurava, mais antigo, parece, pelo grau de amarelecimento e macia humidade do cartão. Vinte anos, quase, calcula ele. Saberia que era este, sem precisar de ler as tímidas letras escritas num canto: “Armando”.
O senhor Manel pára um momento para recuperar o fôlego. São pesados, os cabrões dos livros, as putas das caixas. Senta-se numa e fica a olhar para esta.
Passa os dedos pela fita-cola. Era da boa. Está ali para durar. Pelo menos até ele a arrancar e deixar um rasto de violação. Mas que se lixe. Encontra-lhe o fim e começa a puxar.
Abrir a caixa leva o tempo de três batidas de coração. Aceleradas.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
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