terça-feira, 4 de março de 2008

19

Ainda havia lá por casa do senhor Manel uns cartazes de cinema. Fred Astaire. Beatriz Costa. E um com uma fotografia do Tarzan, que fora o que os levara uma vez a passar a tarde aos berros, em cuecas, pendurados nas árvores do quintal. Isso depois de uma enorme discussão para decidir quem seria o chimpanzé.
Mas do avô do Zé nunca se falara. Presença tão ausente das conversas como o pai do Jaquim.
Enquanto a madrinha lava a loiça na cozinha Jaquim deambula pela casa e, na sala, pega numa das fotografias do aparador e olha para o pai. O pai olha para ele, para a máquina, para o fotógrafo. Mas isso é nada. Ele não sabe, não saberia dizer, quem o pai foi, como era.
A mãe e a menina Ivone olham também para ele, mas para Jaquim da foto, ali tão pequeno, acabadinho de baptizar. As duas muito bem arranjadas, frente à igreja. As duas a olhar por ele. Agora mal nenhum o pode tocar, depois da benção do nome.
O pai está mais afastado, e não olha para a criança. Não. Nem olha para elas. Olha em frente.
O pai que idade tinha ali?
Trinta?
Nem sabe.
Também é difícil de lhe ler no rosto o que estaria a pensar. Parece mais surpreso que alegre ou triste. Não é por esta foto que vai saber que era este homem.
O melhor doutor que cá houve, dissera-lhe uma vez o pai do Ildefonso, punha-me as mulas a funcionar como cavalos.
Mas nessa conversa ele não se atrevera a fazer perguntas, que o cigano metia respeito. Medo. Mas sorrira para ele. Passara-lhe mesmo a mão na cabeça. E dissera ainda, sais ao teu pai, que era uma coisa que nunca ninguém lhe dissera.
Depois disso chamara sempre parvo ao Zé, quando ele se punha a resmungar contra os ciganos. Ladrões, assassinos e etc... Ele sabia que o Zé não era assim. Aquilo eram coisas do pai dele. O Sr. Manuel é que destilava ódio pelos poros. Só porque sim. Aquilo ainda era por causa do Charlot, esventrado na estrada.
O Zé era o seu melhor amigo. O Zé era bom, mesmo odiando o pai e odiando-se por agir como ele, às vezes. O Zé não sai ao pai, mesmo que pareça, às vezes.
Jaquim desvia os olhos da fotografia do baptizado para um espelho do outro lado da sala. Ali também não há respostas claras, mas ele confia na palavra do cigano, que era um homem sério.

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