quarta-feira, 12 de março de 2008

22

- Estás um homem!
É o que lhe diz o senhor Manel quando o vê.
As vezes que o Jaquim já ouviu isso não têem conta. Ainda assim, é sempre uma surpresa ouvi-lo, que ele nunca se sentiu adulto. Nem um espelho sequer lho mostrou ainda.
- Posso sair, pai?
O Zé sempre foi como os cães. Nada lhe contém a alegria e mesmo o senhor Manel tem de sorrir ao olhar para ele, para o brilho que tem nos olhos. Tivesse cauda e estaria a abaná-la.
- Vai-te lá lavar primeiro. Julgas que vais a algum lado nessa figura?
Que o Zé até se esquecia do avental sangrento atado à volta dele. Enquanto vai lá para dentro lavar-se e mudar-se, o senhor Manel volta a medir a figura de homem de Jaquim. E já não sorri quando lhe diz, então os meus pêsames, rapaz.
Se há alguém que sabe acabar com alegrias é o senhor Manel.
Ele responde com o obrigado que automatizou no último mês.
- Era uma santa, a tua mãe.
Sabe lá você isso, pensa ele. Mas a incontável quantidade de disparates que já teve de ouvir desde o funeral deixa-o impassível.
- A gente ainda pensou em ir, mas sabes como isto é. Não dá para deixar o negócio fechado. E conduzir em Lisboa é o diabo...
- Deixe lá isso...
É o que lhe sai da boca. Antes não tivesse ido ninguém, desejara ele. Para não ter de falar, dizer estas coisas que não são nada. Que havia mais para dizer? Sim, a mãe era uma santa por ter suportado quatro anos de dores. Sim, está agora decerto no céu, e sim, vai-se sentir a sua falta. Mas calem-se, por favor. Sabem lá vocês o que é a dor, se o céu existe e o tamanho da falta que ela me faz...

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