quarta-feira, 22 de setembro de 2010

44

Um arco-íris. A luz partindo-se em bocadinhos, sete cores que parecem milhões. É isso que está dentro do cisne. Pequenino. Cabe-lhe na mão.
Quase nada para uma vergonha tão grande.
Depois de ter aberto todos os caixotes, depois de encontrar nada, olhou para tudo o que salvou do mofo e a única coisa capaz de trazer de volta o passado é aquele cisne.
Depois de o tirar da caixa, depois de o olhar de frente, de lado, de cima, de baixo, atira-o ao chão.
O bicho resiste. Em vez de se partir, saltita no chão cimentado e um dos gatos, o mais novo, corre a ver o que é aquilo.
Jaquim decide-se. Pega numa pedra e, com inesperada força, parte o cisne, esmigalha-o, desfá-lo em fanicos, até só ficarem estilhaços, milhares de corzinhas reflectidas em milhões de pedacinhos de cristal.
Tinha de ser. Aquele arco-íris dentro do cisne era uma dor. Uma perfeição cristalina contendo o que de mais escuro há dentro do Zé.
Ele sabe. Ele coneçe o Zé. Se aquele cisne voltasse a aparecer nunca mais seriam amigos, tal é a vergonha.
É por o Jaquim conhecer todas as falhas do Zé que sente o dever cumprido olhando para os destroços de cristal. Uma certeza ilumina-o. Como é que nunca viu isto com tanta clareza?

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