segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

11

É já o Sol que se põe. A luz de ouro que entra pela cozinha. Cortinas de renda.
Agora é hora de ir para casa.
Vai, filho, que a tua mãe já deve estar em cuidados.
Em cuidados está ela sempre.
Despede-se da madrinha, relutante. Ela, enquanto o beija na face, faz deslizar para a sua mão uma nota dobradinha.
Toma lá filho, pelas perdizes.
E ele apressa-se a sair antes que ela o veja corar de vergonha.
Quando estaciona em frente a casa nota que o pai ainda não voltou. A outra carrinha ainda não está no sítio do costume. Tanto melhor. As janelas estão às escuras. A mãe está decerto lá para dentro, para a cozinha. Abre a porta e é saudado pelo som familiar da panela de pressão. O cheiro é o de sempre, a carne e batatas. Está em casa.
Chegas tarde, diz a mãe.
O Pai?
Também ainda não chegou.
Quando é que chega?
Sei lá. Já sabes como ele é.
Posso ir para o quarto?
Vai-te mas é lavar. E leva daqui o cão.
O cão já vai a caminho do quintal, que é onde mora, mas apanha ainda umas festas antes de ir. Zé Manel, esse, vai sem mimos para o quarto. Aqui o silêncio é melhor, aqui sim, está em casa.
Despe-se e vai para o duche. Sabe-lhe bem a àgua a escorrer pelo corpo, a limpar-lhe o dia, mais um, a sair-lhe da pele. Aqui não se ouve a panela de pressão e quase desaparece o cheio a carne e a couve, se usar muito sabão, muito champô. Aqui é um mundo de chuva, de água e corpo. Líquido, como a barragem. Escuro, se fechar os olhos, como a noite.
E reduz a água quente, até sentir o frio igual ao da noite em que se lançou à barragem, a nadar.
O frio da água e o mais quente abraço.
Braços.
Abraço.
Amigo.

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