Ela olha para os pratos. Estão ali desde essa manhã, aguardando em silêncio, implacáveis.
É a vida, diria normalmente num suspiro, mas em dias destes antes pensa, isto não é vida.
Domingo e a casa vazia, sem eles, sem cão. Só uma abençoada solidão. Opressiva, ainda assim. Há roupa para lavar e estender, pó para limpar, casa para varrer. E tudo isso é feito, o dia é posto a render.
Não é que ela se importe com o trabalho, o trabalho descobre-o ela em todo o lado, há sempre ordem para pôr numa casa, no mundo. A mãe soubera ensinar-lhe os deveres da mulher. Nisso fora ela boa. Só tarde demais lhe dissera alguma coisa sobre rapazes. Essa conversa viera atrapalhada e aos solavancos, ela já de véu e grinalda e, inevitavelmente, prenha. Mais que pronta para se levantar da estreita cama de solteira e subir a larga escadaria da igreja.
Mas isso não fora culpa da mãe. A culpa fora do ócio, que é invenção do Diabo. Tivesse ela ocupado as tardes livres do liceu a esfregar chão e não teria caído nas cantigas do Manel, nas palavras meladas que ele lhe sussurrara ao ouvido, na praça do jardim, e que lhe tinham aberto o coração. Tinham sido só meio caminho para lhe abrir as pernas. Depois, quando as fechara, estava o mal feito e não levara muito mais tempo até que se lhe fechasse o coração também.
Casava com um traste, sabia-o. Mas era um traste dono de um establecimento comercial, bem parecido e que a emprenhara. Com a mesma convicção com que pegava num balde e numa esfregona, dissera-lhe, ou te casas comigo ou nunca mais fodes ninguém. Fora a única vez que lhe tinha saído uma palavra destas da boca. E ele lá aparecera na igreja.
Depois viera a menina Ivone meter-se na sua vida, ainda antes da desgraça, como sempre fazia com a de toda a gente, a falar-lhe de amor…
Amor também fora uma palavra que lhe andara arredada dos lábios. Amor era coisa de canções, sabia ela, tal como sabia que um chão só brilha se se lhe puxar brilho. Um casamento era a mesma coisa. Casamento era ordem, amor era desordem. Entre os dois ela sabia o que escolher. O Manel era um bicho selvagem que ela havia de domar, da mesma maneira que se ensina um cão a mijar no quintal e não no tapete da sala.
… é claro que isto fora o que ela pensara durante alguns inocentes meses. Depois a vida logo providenciara razões para que mudasse de idéias. Mas, a vida… é a vida, e aqueles pratos no lava-loiça são a prova de que na vida as coisas só mudam para ficarem na mesma. Lava-os. Se há trabalho para fazer, faz-se. Que mais se há-de fazer?
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
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