A madrinha, que fora quem lhe escolhera o nome, baptizara também o primeiro cão. Chamara-lhe Charlot.
Charlot era um labrador preto que, pela propensão para tropelias e disparates enquanto cachorro, ganhara logo esse nome. Fora do que se lembrara a menina Ivone, que vira desses filmes no cinema.
José Manuel Calminho e Silva fora um nome também escolhido num momento de grande inspiração, quando a menina Ivone — que já então andava bem longe de ser menina — resolveu fazer frente ao Manel do talho e dar-lhe um nome decente ao filho. A insistência do homem para que o miúdo carregasse para sempre a cruz do nome de um dos avôs, Teodemiro ou Possidónio, só foi contrariada porque a menina Ivone, com o seu poder de madrinha, sugerira que se invertesse o nome do pai. Em vez de Manuel José teriam um José Manuel. Acharam todos bem, a tão boa ideia ninguém se conseguia opôr. Houve finalmente sossego na casa. Ou pelo menos tanto sossego quanto o Manel do talho consentia que coubesse num dia.
Assim chegou José Manuel ao mundo, com o nome do pai às avessas, avesso ao pai desde o começo, quando este o tentava aguentar nos braços com a falta de jeito que sempre tivera para as coisas vivas, habituado que estava às carcaças dos porcos e das vacas.
O segundo cão já se chamava Cantiflas, quando chegou para calar o berreiro do Zézinho que, durante dias, derramara lágrimas numa choradeira desenfreada, por ter visto o Charlot a ser esventrado pela furgoneta dos ciganos que ia acelerada na estrada, a caminho da feira de Castro. Um homem não chora, gritara-lhe o pai, mesmo sendo ele ainda um miúdo, a paciência rebentada para lá dos limites pelo incessante berreiro. Mas depois desistira, e trouxera-lhe um cão. Vê lá se te calas.
Um outro nome, alcunha, ganhara-o Zézinho na escola primária, onde lhe chamavam o Fúrias desde que pregara um par de sopapos ao primeiro que se atrevera a gozar com o apelido herdado da mãe. De Calminho não tinha nada.
E Fúrias passara a Zé Fúrias no tempo do Sport Clube, quando furava o campo nuns repentes que levavam quase sempre ao golo.
Mas isso fora antes.
Agora já era, era só, o Zé do talho.
E ainda, sempre, o filho do Manel do talho.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
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