sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

14

Sim.
O céu sobre Vila Velha.
O sol a derramar-se nas searas.
Uma promessa de liberdade nas férias, os banhos de mangueira no quintal. Água a escorrer nos ladrilhos quentes e os dois a rir, aos gritos, aos pulos, aos berros, a correrem no pátio, cuecas molhadas, tudo molhado. O Verão e a mãe a rir-se com eles.
E debruçados da torre da igreja, a olhar os campos que o Sol come. O Sol atirando-se contra as casas. Aquele branco atordoante do Verão.
É a luz. Recorda-lhe estas coisas. O embalo do autocarro, as árvores que passam, campos da beira da estrada. Isso.
Volta, regressa, sim está a caminho. Mas onde está a sua vida, a que levava nesses dias? O coração leve. Alguma alegria. Dias cheios. O que aconteceu a isso tudo?
Olha pela janela do autocarro. Conheçe este sítio. Ali à frente há-de haver um restaurante com um toldo vermelho. Depois uma casa de dois andares, um quintal com um pinheiro. Sim, esta estrada. Já estão quase. Vila Velha é já ali, quase se vê, ao fundo da curva.
E ele, onde está? Não está aqui neste autocarro, quase a chegar. Sente-se ainda lá para trás, na cidade. O peso de chumbo aos ombros. Sim, provavelmente ainda anda nas ruas cinzentas da capital, no prédio antigo cheirando a gatos, no quarto a que por enquanto chama seu. Joaquim. Quim, sobrinho, querido, filho, para onde vais? Demoras?
Volto logo, tia. Vila Velha. Sim, visitar o Zé. Ver os amigos. Eu volto logo. Não demoro. Apanho o autocarro. Atravesso campos, montes, planícies... olha que verdes... ainda é Maio. Regresso, sim. Ficou lá alguma coisa. Deixei lá...
... deixámos o quê, mãe? O que fomos. Quem éramos então... Sim, mãe eu quero saber. Porque é que nunca disseste nada? Eu queria saber, sim. Porque se matou o pai?

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