Este cão não tem nome. Nunca teve. Ele nunca deixou que tivesse.
Não que o Manel do talho não tivesse tentado o baptismo do bicho. Chamara-lhe tudo. Tarzan, Bonanza, Napoleão, Chalana… Nenhum pegara, que ele não deixava. Havia de se chamar cão. Cão, só cão.
Cão, só cão…isso é lá nome para um animal?!
Depois de semanas de bulha, o escárnio já levava o Sr. Manel a usar nomes como Fidel, Samora, Franco, e mesmo, no dia em que o cão o mordera por lhe ter dado um pontapé, Salazar, Belzebu e Satanás. Só quando a ferida que os caninos lhe tinham deixado na canela infectou é que cedeu. Daí em diante já só dizia: esse cão… ou, nos piores dias: esse estafermo…
Este cão é esperto. Sempre agiu como se soubesse que fora o Manel do talho quem lhe matara o pai. O cabrão. O tiro da espingarda ecoara decerto pela aldeia toda. A ninhada com que o velho, reumático, mas ainda surpreendentemente viril Cantiflas deixara a Lássi prenha devia ter sabido. Os bichos sabem coisas.
A Menina Ivone dissera-lhe, ò filho, pára de te pegar com o teu pai, já sabes bem o animal que ele é. E depois beijara-o na testa como sempre fazia. E abraçara-o, mesmo que ele dissesse sempre, largue-me lá, sua velha. E, não faça isso, quando ela lhe penteava o cabelo com as mãos.
Olha filho, porque é que não vais à Mónica. A Lássi já pariu. Arranja outro cão. Um cão é um cão.
Ao sair da casa da madrinha ainda resmungava, eu não lhe perdoo, desta vez não lhe perdoo. Mas o coração derreteu-se-lhe quando foi ver os bichinhos à da Mónica. Passou horas a brincar com eles, a acalmar-se. Estivesse ali o Jaquim e teria sido mais rápido. Mas não foi preciso, não desta vez. Às tantas até já se ria, com os cachorros a treparem-lhe para cima, deitado no chão, a lamberem-lhe a cara.
Escolheu o mais vivaço e levou-o para casa. E só para irritar o pai não lhe deu nome. Chamou-lhe cão.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
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