sexta-feira, 6 de junho de 2008

38

Sorrisos de fotografia. Para mais tarde recordar a vida como se gostaria que tivesse sido. Não é talvez falta de sinceridade mas mais uma representação de um desejo. Vontade de dizer, neste dia fomos felizes. Gostaríamos de ter sido felizes. E por isso sorri-se para a máquina.
Sentaram-se na sala, depois do jantar e, a pedido do Jaquim, a menina Ivone abriu os armários e de entre a sua colecção de albuns tirou um onde havia mais fotografias do baptizado dele. Eram só quatro, afinal, e nenhuma com o pai dele, ao contrário do que esperava. Só ele, aquele bebé vestido de branco, seguro em braços desconhecidos. Quem era aquela gente que sorria sem verdadeira vontade? Amigas da mãe que não duraram muito, ou gente da vila que depois, mais tarde na vida, tivera mais que fazer.
A menina Ivone, sentada, mãos sobre as coxas como quem espera um sobressalto, olha os rapazes que desfolham outras imagens do passado. Imagina o que se pode seguir, mas espera, com mórbida curiosidade, a ver que voltas dará a vida.
O album é grande. Tem muita gente, muitos anos, casamentos e baptizados. Eles riem-se ocasionalmente das modas. Chapéus com véu dos anos 60, calças à boca de sino dos anos 70, folhos dourados dos anos 80. Alguma surpresa quando vêm versões novas da gente velha de Vila Velha.
Depois, claro, chegam as fotos do baptizado do Zé. Estão no mesmo album, como ela bem sabe. Umas seis páginas. E ela aguarda. Essas páginas são desfolhadas mais lentamente. Ela nota como o olhar do Jaquim procura.
Procura.
Procura.
E encontra, pois então. Está ali. Ainda nessa tarde ela se lembrou, pouco depois do Manel sair e, para confirmar, foi abrir o album. Lá estava. Fechou-o, fechou os olhos e suspirou. E quando o Jaquim, nessa mesma noite, lhe pediu para ver o album, ela decidiu, pois que se desenrole o destino.
Mas afinal, embora se detenha nas fotos, o Jaquim não diz nada, não faz perguntas.
Talvez seja por causa do Zé. O Zé era um bébé lindo. Mesmo agora, de unhas encardidas de sangue, dedos feridos de facas, mas delicados e respeitosos no virar das páginas do vetusto album de memórias fotográficas, tem uma inocência nos olhos que ninguém se atreveria a quebrar.
Sim, inocência. A menina Ivone sabe bem quanto vale.
Nos olhos do Jaquim vê bailar a pergunta, embora fique só ali, sem se abeirar dos lábios. Mas os dedos deslizam-lhe inconscientemente para a foto, roçam ligeiramente o sorriso largo do pai. A felicidade genuina que mostra, segurando nos braços o Zé, seu afilhado.

Sem comentários: