domingo, 8 de junho de 2008

39

- Madrinha?
- Sim?
- Porque é minha madrinha?

Depois de o Zé se ir, quando já voltaram à cozinha e já é altura para um copo de leite quente. Antes de dormir. Agora, pensa ela. Afinal mais cedo que tarde.
Procura o passador para lhe coar a pele do leite e vai respondendo, como se nada fosse.
- Foi a tua mãe que me convidou, filho.
- Mas porquê a si?
- Não sei. Se calhar porque ela não conhecia muita gente cá na altura.
- Ela não estava naquelas fotografias.
O Jaquim não diz a que fotografias se refere mas ela percebe que são as do baptizado do Zé. Pois claro.
- Não. A tua mãe teve de ficar em casa nesse dia, se bem me lembro. Estava grávida de ti e tu não te estavas a portar bem. Sim, até lhe fui levar uma fatia de bolo lá a casa...
A caneca de leite muda de mãos, pronta a beber, assim que arrefeça.
- A minha tia nunca lhe perdoou. Agora... quer dizer, desde que... desde que a minha mãe morreu, só fala da doença como se fosse um castigo. Que se não tivesse vindo para cá isso não lhe tinha acontecido.
A testa da menina Ivone enruga-se. As coisas que se dizem às crianças! Ele há com cada uma...
- Bem, isso, a tua tia... Eu não sou de dizer mal das pessoas mas, sinceramente... Nem ao funeral do teu pai veio.
- Porquê?
A menina Ivone suspira. De repente dá-lhe um grande cansaço. Afinal de que serve estar a remexer naquelas coisas? Estende o braço até ao outro lado da mesa e põe a sua mão sobre a do Jaquim, que agarra a caneca do leite.
- Ouve, filho. O teu pai era um bom homem. E a tua mãe amava-o. Foi por isso que veio para cá. O resto... o resto, foi tudo o desgosto. Vai lá alguém perceber as razões dele...

- Ele deixou alguma coisa? Uma carta, um bilhete?
- Não, filho, não. Deixou só um grande desgosto. Daqueles de que nem vale a pena falar...

Sem comentários: