terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

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O cão olhou para ele.
Ele olhou para o cão.
Entendiam-se. Havia que esperar. E havia tempo para isso. O dia todo, horas longas pela frente, o que fosse preciso. Contava era estar ali, longe de tudo.
O cão abanou a cauda um par de vezes e depois voltou a concentrar-se, a focar os sentidos nas perdizes que deviam estar para lá das árvores. Era esperar. O bicho era esperto e nascera com a paciência dos predadores. Passou-lhe a mão pelo pêlo. Isso não o distraía. Sabia que só queria dizer, estamos aqui, os dois, estamos aqui.
Tinham andado toda a manhã. Ele até quase esquecera a arma que trazia ao ombro. Havia as papoilas novas nos campos e aquele silêncio de insectos e pássaros. O Verão murmurando já no ar. A terra húmida, de dias à chuva, e o céu descarnado, em puro azul. Uma grande ausência de gente e de homens. Deixaram-se andar.
Depois sentaram-se os dois, num bom sítio. Sim, elas andavam ali. O cão sabia-o e ele também. Era esperar. A espingarda pronta, apontada ao que saísse. O tempo pairando, suspenso em redor.
Até se ouvir um estremecer. Asas que subitamente se abrem e um voo que começa mas que antes de se fazer bem ao ar é cortado por um tiro. E depois mais asas a fugir em pânico. O cão lança-se directo ao sangue. É um bom cão. Há-de voltar com a perdiz na boca, a felicidade nos olhos, a cauda abanando.
A espingarda também não lhe falhou. É uma boa espingarda. Qualquer dia ainda a há-de usar para matar o pai.

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