quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

16

- Entra, filho, entra.
Já o cobriu de beijos dizendo, estás tão crescido e agora afasta-se para que ele entre. Ele limpa bem os pés no capacho da entrada. Cheira a bolos.
- Vens com fome?
- Nem por isso...
- ... eu já vou pôr a mesa...
Deixa-se engolir por aquela escuridão estreita, finta os fetos e os armários com a mochila. Desaguam na cozinha, como sempre acontece em casa da menina Ivone.
- Trazes tão pouca bagagem. Afinal quanto tempo ficas?
- Não muito, madrinha.
- Ai filho, estou tão feliz que tenhas vindo, tão feliz...
A menina Ivone limpa uma lágrima de comoção. E ele diz, então, que é isso?
- Não ligues, filho, não ligues... anda lá...
E leva-o de novo pelos corredores escuros até uma porta que range quando ela a abre. É um quarto onde não se lembra de alguma vez ter entrado, o quarto de hóspedes. Pequeno, mais alto que largo. Uma cama, uma cadeira, um armário e é tudo. E sobre a cabeçeira da cama o retrato antigo de um homem. Fato e gravata. Bigode.
Enquanto a menina Ivone lhe explica que tem toalhas e mais cobertores no armário ele olha o retrato.
- Quem é?
- O tio Celestino.
- Avô do Zé?
- Avô do Zé.
Ficam um momento a olhar para o senhor que tem a expressão de quem está a ser fotografado pela primeira vez na vida. Um caso sério.
- Era um homem bonito.
- Era sim.. E foi a desgraça dele, filho. Foi a desgraça dele...

Sem comentários: