quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

13

Ainda assim, estes dias são os melhores, quando a casa finalmente se encharca em silêncio. Nestes dias deixa-se por vezes parar, a meio de passar umas calças, dobrar umas peúgas. Dá por si a olhar para a Virgem, que, de cima da televisão, mede a humidade com o seu manto de cor mutante.
Não é que o ventre lhe doa. Hoje em dia já nem sente nada, mas é como se tivesse um vazio, ali em baixo. Mais vazio ainda que no coração. No coração ainda guarda ela alguma coisa. E ao fundo do quintal, há a àrvore que lhe guarda segredos. O seu coração é tal e qual a árvore, cala-se e guarda tudo. Faz por ignorar o que tem enterrado entre as raízes. Não há nada a dizer.
Ela também nunca fora de muitas falas. Até na confissão, sempre poupara palavras. Só o Padre Alberto lhe soltara a iálma, fazendo perguntas como quem cava por àgua em terra seca.
…isso porque lhe vira as lágrimas…
E, tentando secá-las, causara mais…
Com as meias dobradas no colo, fica sentada. Idália de Jesus Calminho, sózinha em casa.
Bendito silêncio.
Para além da Virgem, há também um quadro. Jesus com o coração sangrando, cravejado de espinhos. E mesmo assim, a face impassível, de quem sabe que a dor não importa.
É por saber que Jesus lhe vê também o coração, que Idália se poupa ao trabalho de se queixar. Está casada, tem um filho e uma casa. Comida na mesa. Asseio no lar. Se tiver em conta que há quem não tenha onde dormir, quem não tenha o que comer, então está ela muito bem. Que queixas pode ela fazer à vida?
(…tantas…)
Em cima da mesa há uma revista dessas para mulheres. Há muito tempo que ela lê revistas destas. O suficiente para saber que há fulanas, até princesas que, se numa semana encontram o amor da sua vida, na outra está ele perdido. Já ela, tem constância na vida. Tem pratos para lavar e jantar para fazer.
E é assim.

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