quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

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São sempre eles os dois. Ele e o cão. Lá atrás vão as perdizes. A estrada é deles. A carrinha segue embalada, a descer os montes.
Eram sempre eles os dois. Ele e o Jaquim. O mesmo banco na escola. O grandes dribles no recreio e depois os grandes dribles no Sport Clube. Foram os melhores anos, sempre achou. A estrada, que devia ser mais longa para demorar a levá-lo a casa, é um bom sitio para pensar nisto.
Se calhar ele quer vir à caça. Há-de lhe perguntar. Só os dois, outra vez, como dantes. Sim, como dantes, mesmo que já tenha mudado tudo. Que isto a vida é assim, tudo a mudar tão depressa, tudo sempre na mesma. Os dias sempre iguais e tudo já tão diferente… mas não é disso que vão falar. Nem do tempo, que se pôs agora tão bom depois da chuva. Isso é conversa para os outros. Ele vai…
Ele vai sentir-se um bocadinho idiota quando o voltar a ver. Aquela mesma atrapalhação que sentira no dia em que entrara na casa da professora. Tantos livros. Tudo tão novo. E ele a dizer, a olhar para os livros, você tem aqui o mundo todo. E ela a rir-se. O Jaquim a rir-se também. Depois os três. Rir nunca fora tão bom. O mundo ali todo.
…sim, que ele deve trazer assim como que um cheiro a mundo. O mesmo dos postais que cheirava quando já os lera e olhara demais, para tentar extrair ainda mais deles. O cheiro a viagens. A sítios longe.
A estrada está deserta. É só uma longa faixa entre campos lavrados. Agora é só ele. Ele e o cão. O cão que olha para ele agora, mas que prefere pôr a cabeça de fora e cheirar o vento. Para ele isto é uma grande viagem. Vai feliz. Ah, os cães… não fosse por eles e já teria levado o cano da caçadeira à boca.

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