quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

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A casa da madrinha é a da esquina. A que tem um painel de azulejos por cima da porta. Um Santo António que de pouco valera à menina Ivone, que nunca casara. Tal como de pouco lhe valera a ele, rezar pela Dona Luisa, que mesmo resistindo tantos anos à doença ainda assim se fora, enquanto que o pai continuava com uma saúde de ferro, apesar da pressão alta, da obesidade, do catarro, da calvice e do chulé.
A madrinha mostrara-lhe uma vez um album onde havia muitas fotos do pai, do tempo de solteiro. Mal o reconhecera. O casamento estragara-o tanto como ele estragara o casamento.
Por isso é que ele diz nunca, quando a madrinha lhe pergunta, quando é que te casas.
Ah filho, sabes lá o que dizes, não há pior sina que ficar solteiro, não há pior sina.
Mas vossemecê é feliz.
Sabes lá tu isso, filho, sabes lá tu…
Mas ao menos está descansada…
Mais descansada do que isto só já na cova e com um terço rezado.
Ouve-lhe os passos no corredor quando ela vem para lhe abrir a porta.
Conhece esta casa tão bem como a sua. Esta é também a sua casa. Era para aqui que fugia sempre que o pai se punha naquelas disposições de tirar o sossego aos santos. Ainda é para aqui que vem, quando não tem mais para onde ir.
A casa está cheia de si. Está cheia de toda a gente da família. Há fotografias por todo o lado. Há molduras nas paredes, nas cómodas, nos albuns. E há fotos dos afilhados todos que a menina Ivone foi angariando ao longo da solteirice. Ela, que tem sempre uma trabalheira com prendas no Natal, e um calendário especial para se lembrar de aniversários. Ela, que o trata por filho, como se filho fosse.

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